Quem sabe eu ainda
Sou uma garotinha
Esperando o ônibus
Da escola, sozinha...
Cansada com minhas
Meias três quartos
Rezando baixo
Pelos cantos
Por ser uma menina má...
Quem sabe o príncipe
Virou um chato
Que vive dando
No meu saco
Quem sabe a vida
É não sonhar...
Eu só peço a Deus
Um pouco de malandragem
Pois sou criança
E não conheço a verdade
Eu sou poeta
E não aprendi a amar
Eu sou poeta
E não aprendi a amar...
Bobeira
É não viver a realidade
E eu ainda tenho
Uma tarde inteira
Eu ando nas ruas
Eu troco um cheque
Mudo uma planta de lugar
Dirijo meu carro
Tomo o meu pileque
E ainda tenho tempo
Pra cantar...
...Quem sabe eu ainda
Sou uma garotinha...
Quando anunciei que tinha câncer de tireoide e faria iodoterapia, minha prima Fabiana pediu: "escreve no blog, conta pra gente como é..."
Fabiana, acredite, não é fácil. Não pretendo falar sobre a doença em si porque ela existe de diversas formas e é única para cada um que a sofreu ou ainda a sofre. Ela modifica as pessoas e permite um aprendizado. Ainda não estou pronta para falar sobre isso. Fica para outro momento. Vou falar sobre a iodoterapia e os sentimentos que ela desperta.
A preparação exige alguns exames e a suspensão do iodo durante um mês antes, aliados à uma dieta pobre em iodo. Isso altera nosso metabolismo causando desconforto emocional e fisiológico. Passei com louvor nessa etapa, embora na última semana apresentasse uma irritação profunda e impaciência além do normal.
Na maioria das vezes é necessário ficar dois dias internada. Não foi meu caso, graças a Deus! Fiquei somente 1 dia porque a dose foi menor do que a usual.
Não posso me queixar do apartamento do hospital: era limpo, tinha TV a cabo, decoração mais humanizada do que a dos quartos hospitalares, vista definida(pode-se dizer assim???)mas tudo era recoberto de plástico e tudo me lembrava que eu estava sob condições adversas.
Tomei café da manhã às 7 horas porque estava previsto que tomaria o iodo às 9 horas. Não foi assim. Houve atraso na internação e tomei a dose às 11. A médica me deu um remédio para prevenir enjoos e o "veneno da salvação" estava em um recipiente de chumbo (acho) bem compacto; inseriu um canudo ali e eu ingeri o líquido inodoro, incolor e insípido. Parece água, mas a gente sabe que não é. Ainda ficaria em jejum por duas horas mais ou menos. Às 14 horas me trouxeram um lanche. O setor de nutrição não havia sido informado da minha chegada e assim não tive almoço. Com sono, trancada e ainda por cima sem um almoço decente. Tudo bem.
Solicitei água porque a médica recomendou que bebesse muito líquido para eliminar o iodo o mais rapidamente possível, e eis que finalmente minhas preces foram ouvidas e a recebi às 15 horas! Foi uma sensação boa beber água passadas 8 horas do café da manhã. Então começou a maratona: beber água, fazer xixi, beber água, fazer xixi... Eu só conseguia pensar nisso, queria me livrar do iodo.
Resolvi palavras cruzadas, li revistas, assisti a filmes, mas minha mente não estava ali. Pior, meu coração não estava ali. Só pensava na família, no trabalho, no meu lar. Que falta senti! No momento em que mais precisava do apoio deles, eles estavam impossibilitados de fazer qualquer coisa.
Passei a noite entre acordada, cochilando e fazendo xixi mas pude sair ontem(Dia Internacional da Mulher) às 12 horas. Agora estou em um hotel porque os médicos concluíram que seria difícil a minha filha mais nova ficar afastada de mim, se voltasse para casa. E então tenho novas orientações de como não prejudicar as pessoas que aqui estão. Nossa, como é complicado! Preciso ficar à distância de, pelo menos, 1 metro de qualquer ser humano, mas mesmo assim, não confio. Ajo como se tivesse transtorno de conduta, evitando me aproximar das pessoas. Faço algumas refeições no quarto, caminho solitária e adequei minhas atividades para serem realizadas aqui dentro. Tive permissão para ir à piscina e fui, mas não me senti à vontade. Sinto-me contaminada, inadequada para seres humanos. Quando vejo uma criança, saio logo. Ainda bem que aqui vi poucas. Mulheres, afastai-vos de mim! E se estiverem grávidas? Socorro! Não posso fazer mal a ninguém!
Problemas práticos mais ou menos resolvidos, vem a pergunta: e meu lado emocional? Gente, estou fragilizada. Depois de inúmeros exames, ainda resta um último para enfim, eu voltar a minha vida normal. E a saudade da família?Estou sofrendo demais a ausência dela. Como gostaria de estar cercada pelas minhas filhas e meu marido... E a falta dos amigos? Disso tudo é a única coisa importante! Minha querida mãe está para chegar e não vejo a hora de me abraçar com ela e pedir colo. Fui guerreira, sim. Estou sendo guerreira, mas a hora de depositar as armas às margens do caminho está chegando... Confesso que estou cansada. Os médicos dizem que lutei bravamente, mas estou cansada, estou cansada, estou cansada. Sim, há casos bem piores, com certeza! Mas uma das médicas me disse: "Não importa. É carcinoma." Eu acrescento: há pessoas mais fortes e há pessoas mais fracas. E não sei em qual categoria me enquadro, mas isso não é importante. Quem sabe eu ainda sou uma garotinha...