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sexta-feira, 9 de março de 2012

Malandragem, Cássia Eller


Quem sabe eu ainda
Sou uma garotinha
Esperando o ônibus
Da escola, sozinha...

Cansada com minhas
Meias três quartos
Rezando baixo
Pelos cantos
Por ser uma menina má...

Quem sabe o príncipe
Virou um chato
Que vive dando
No meu saco
Quem sabe a vida
É não sonhar...

Eu só peço a Deus
Um pouco de malandragem
Pois sou criança
E não conheço a verdade
Eu sou poeta
E não aprendi a amar
Eu sou poeta
E não aprendi a amar...

Bobeira
É não viver a realidade
E eu ainda tenho
Uma tarde inteira
Eu ando nas ruas
Eu troco um cheque
Mudo uma planta de lugar
Dirijo meu carro
Tomo o meu pileque
E ainda tenho tempo
                                                        Pra cantar...

                                          ...Quem sabe eu ainda
Sou uma garotinha...



Quando anunciei que tinha câncer de tireoide e faria iodoterapia, minha prima Fabiana pediu: "escreve no blog, conta pra gente como é..."

Fabiana, acredite, não é fácil. Não pretendo falar sobre a doença em si porque ela existe de diversas formas e é única para cada um que a sofreu ou ainda a sofre. Ela modifica as pessoas e permite um aprendizado. Ainda não estou pronta para falar sobre isso. Fica para outro momento. Vou falar sobre a iodoterapia e os sentimentos que ela desperta.  


A preparação exige alguns exames e a suspensão do iodo durante um mês antes, aliados à uma dieta pobre em iodo. Isso altera nosso metabolismo causando desconforto emocional e fisiológico. Passei com louvor nessa etapa, embora na última semana apresentasse uma irritação profunda e impaciência além do normal.

Na maioria das vezes é necessário ficar dois dias internada. Não foi meu caso, graças a Deus! Fiquei somente 1 dia porque a dose foi menor do que a usual. 

Não posso me queixar do apartamento do hospital: era limpo, tinha TV a cabo, decoração mais humanizada do que a dos quartos hospitalares, vista definida(pode-se dizer assim???)mas tudo era recoberto de plástico e tudo me lembrava que eu estava sob condições adversas.

Tomei café da manhã às 7 horas porque estava previsto que tomaria o iodo às 9 horas. Não foi assim. Houve atraso na internação e tomei a dose às 11. A médica me deu um remédio para prevenir enjoos e o "veneno da salvação" estava em um recipiente de chumbo (acho) bem compacto; inseriu um canudo ali e eu ingeri o líquido inodoro, incolor e insípido. Parece água, mas a gente sabe que não é. Ainda ficaria em jejum por duas horas mais ou menos. Às 14 horas me trouxeram um lanche. O setor de nutrição não havia sido informado da minha chegada e assim não tive almoço. Com sono, trancada e ainda por cima sem um almoço decente. Tudo bem.

Solicitei água porque a médica recomendou que bebesse muito líquido para eliminar o iodo o mais rapidamente possível,  e eis que finalmente minhas preces foram ouvidas e a recebi às 15 horas! Foi uma sensação boa beber água passadas 8 horas do café da manhã. Então começou a maratona: beber água, fazer xixi, beber água, fazer xixi... Eu só conseguia pensar nisso, queria me livrar do iodo. 

Resolvi palavras cruzadas, li revistas, assisti a filmes, mas minha mente não estava ali. Pior, meu coração não estava ali. Só pensava na família, no trabalho, no meu lar. Que falta senti! No momento em que mais precisava do apoio deles, eles estavam impossibilitados de fazer qualquer coisa.

Passei a noite entre acordada, cochilando e fazendo xixi mas pude sair ontem(Dia Internacional da Mulher) às 12 horas. Agora estou em um hotel porque os médicos concluíram que seria difícil a minha filha mais nova ficar afastada de mim, se voltasse para casa. E então tenho novas orientações de como não prejudicar as pessoas que aqui estão. Nossa, como é complicado! Preciso ficar à distância de, pelo menos,  1 metro de qualquer ser humano, mas mesmo assim, não confio. Ajo como se tivesse transtorno de conduta, evitando me aproximar das pessoas. Faço algumas refeições no quarto, caminho solitária e adequei minhas atividades para serem realizadas aqui dentro. Tive permissão para ir à piscina e fui, mas não me senti à vontade. Sinto-me contaminada, inadequada para seres humanos. Quando vejo uma criança, saio logo. Ainda bem que aqui vi poucas. Mulheres, afastai-vos de mim!  E se estiverem grávidas? Socorro! Não posso fazer mal a ninguém!

Problemas práticos mais ou menos resolvidos, vem a pergunta: e meu lado emocional? Gente, estou fragilizada. Depois de inúmeros exames, ainda resta um último para enfim, eu voltar a minha vida normal. E a saudade da família?Estou sofrendo demais a ausência dela. Como gostaria de estar cercada pelas minhas filhas e meu marido... E a falta dos amigos? Disso tudo é a única coisa importante! Minha querida mãe está para chegar e não vejo a hora de me abraçar com ela e pedir colo. Fui guerreira, sim. Estou sendo guerreira, mas a hora de depositar as armas às margens do caminho está chegando... Confesso que estou cansada. Os médicos dizem que lutei bravamente, mas estou cansada, estou cansada, estou cansada. Sim, há casos bem piores, com certeza! Mas uma das médicas me disse: "Não importa. É carcinoma." Eu acrescento: há pessoas mais fortes e há pessoas mais fracas. E não sei em qual categoria me enquadro, mas isso não é importante. Quem sabe eu ainda sou uma garotinha... 




22 comentários:

  1. Hildelane, por e-mail...

    Você pode até ainda ser uma garotinha...mas essa garotinha tem uma força sobrenatural..... to aki, mesmo sob sua exigencia de afastamento....quando estiver em casa me avisa que irei ve-la.....

    um beijo no coração.....

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  2. Lane, nem vem que não tem... Você fez demais, Amiga!
    Pode deixar, quando eu não mais estiver "venenosa" aviso!
    Beijo grande!

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  3. Morvan comentando:

    "Querida,
    A vida é isso mesmo! As batalhas são inevitáveis, e bobeira é não viver a realidade.
    Saúde e sorte!
    Bj,
    Morvan."

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  4. Querido,
    Eu não queria ter entrado nessa, mas se entrei é pra sair ganhando!
    Beijo e paz,
    Fátima

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  5. Elisângela:
    Querida Fátima, sua luta está chegando ao fim, não desanime ...esse distanciamento da família e dos amigos agora, no final, parece uma provação ...mas vc fez tudo direitinho, e o tratamento foi um sucesso ...tudo dentro do esperado ....apesar dos sustos do resultado do exame, e das sequelas da cirurgia ...no fim, deu tudo certo ...Pense nisso ...o pior já passou ...em breve vc estárá na sua rotina normalzinha, apenas tomando as pilulinhas todo dia ...
    Beijos.

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  6. Elisângela, que saudade de nossas risadas!
    Sim, vou sair dessa mais forte do que entrei.
    Ainda pretendo trocar muitas ideias com você a respeito das rotinas domésticas, das nossas filhas e tudo o mais que vier às nossas cabeças.
    Beijo grande!

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  7. Amorzinho,
    Muito emocionante seu depoimento.
    Estaremos todos juntos, na certeza de que você irá superar todas as adversidades.
    Beijos carinhosos

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  8. Amorzinho,

    Minha resposta será ao vivo e em cores. Com fogos de artifício, também!
    Eu te amo!

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  9. Fatinha,
    Tudo vai acabar bem!
    Que Deus continue lhe dando forças para concluir essa luta com vitória!
    Que Ele lhe dê saúde, paz e muitas felicidades em todo e qualquer momento!
    Ao fim de tudo isso, você perceberá que cresceu espiritualmente.
    Você é uma grande pessoa com um enorme coração!
    Estamos juntos torcendo muito por você!
    Beijos,
    Tâmara e Tiago

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    1. Querido casal Odon,

      Realmente o final está chegando e vocês têm razão, vou sair mais forte espiritualmente. Esse é o ganho. Quero estar bem feliz para visitá-los-los em breve. Continuem na torcida porque essa energia das pessoas que nos amam é importante demais!

      Beijos,

      Fátima

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  10. Oi!! Fatoca!!
    A vida nos coloca obstáculos eu diria desafios e como coloca viu !! . Eles aparecem , para nos mostrar que podemos superar tudo , e que qdo éramos apenas garotinhas não imaginávamos que estas coisas poderiam acontecer com a gente , até porque se acontecesse não teríamos forças para suportar!!
    Mas vc passou!!! Está se recuperando , e logo sua vida voltará normal ! Vai poder dar um abraço apertado nas suas filhas e marido e ficar por horas no colinho da mãe , que esta para mim que ainda não tenho filhos, é a melhor parte nestas horas.
    Torço muito pela sua recuperação, mas qdo vc vai para casa??
    Uma tia do Rodrigo (meu marido) , passou por este tratamento e ficou 2 semanas isolada.. após estas 2 semans ela ficou ótima...
    Mais um pouco de paciência !!
    Bjo Fabiana

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    1. Fabi Querida,

      Hoje já volto para casa! Viva!
      Minha dose foi pequena e meu isolamento foi de 1 semana. Farei o exame PCI para medir a eficácia da iodoterapia às 14 horas e lá pelas 17h rumo ao lar. Amém!
      Já estou me sentindo muuuuuuuuuuuuuuito melhor só em saber disso.
      Obrigada pelo carinho e vamos ver se a gente se encontra, né?
      Beijos no Rodrigo, Beto, Verônica, Gustavo e Suzana!

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    2. Que bom !! Fico feliz ! Viva!!!
      Qual foi o resultado? Deu tudo certo, né??
      Apareça aqui em São Paulo e passe uns dias em Santos será um prazer recebe-la, preciso conhecer sua Paulinha e a Lívia, nossa a última vez que a vi ela sim era uma garotinha . Lembro quando veio pra Santo com a tia Doravile , fomos ao cinema assistir Harry Potter era a 3a vez dela, sempre vejo seus posts no fb a acho super descolada e criativa!!
      Bjos a toda família

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  11. Maria ieda:
    "Oi Fátima, imagino o que você está passando... mas você é uma mulher forte e guerreira. Adorei o texto que escreveu no seu blog, fiquei emocionada e quando estiver pronta para receber visita dos amigos, é sóavisar.

    Afetuosamente,

    Ieda"

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    1. Ieda Querida,

      Você foi e está sendo uma das mais presentes a esse período da minha vida. Fez diferença me levando ao médico, ficando ao meu lado, resolvendo pendências. A gratidão minha e da minha família é eterna. Assim que der, vamos nos encontrar para altos risos! E com o bombástico Baldu!

      Namastê!

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  12. Fafá, de certa forma somos sempre garotinhos. A gente cresce, amadurece, vive um monte de experiências, envelhece, mas lá dentro está a criança, que sente medo, tristeza, frio, vontade de brincar, de ser inconsequente... e sofre e precisa de conforto e carinho.

    É muito bom que vc possa compartilhar conosco a sua experiência. Parabéns pela sua luta e crescimento. Certamente a sua criança está agora mais forte.

    Beijo de sua irmã/comadre

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    1. Ceci, a garotinha está mais forte, sim! Mas sem amigos e família, as chances seriam menores. Beijos e obrigada pelo enorme apoio!

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  13. Fátima, colocação clara e bem descrita da sua experiência, pudemos quase senti-la, vivenciá-la junto com vc, lembre-se: aquilo que não nos destrói, nos fortalece...

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  14. Não me destruiu, graças a Deus. Estou mais fortalecida, sim! Você tem razão de sobra! Obrigada, Anônimo!

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  15. Não me destruiu, graças a Deus. Estou mais fortalecida, sim! Você tem razão de sobra! Obrigada, Anônimo!

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  16. Olá Fátima,
    Encontrei o seu blog, pesquisando sobre iodoterapia...e pude perfeitamente entender tudo que vc escreveu.... apesar de ainda não ter passado por ela.
    Dia 6 fui operada e hoje comecei os exames para seguir com a iodoterapia... Sei que minhas lágrimas não irão resolver meu problema, mas sinto muito ter que ficar longe dos meus pequenos....tenho 2 filhos lindos e diante disso sinto como uma pessoa contaminada...uma verdadeira bomba ambulante...
    Depois do hospital vc ficou quantos dias afastada da sua família?
    Obrigada pelo post...e boa sorte....no final seremos melhores...
    Quando puder apareça no meu cantinho...
    bjs e luz isabela

    http://belapinturas.blogspot.com.br/2012/03/parabens-aracajuminha-terra-querida.html

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    1. Isabela, sua resposta seguiu por e-mail porque precisei de mais tempo... mas estou com você em meus pensamentos,orações e luz!
      Continuarei escrevendo.
      Beijos e paz, muita paz e serenidade.
      Fátima

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