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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A casa do meu avô

Asa Branca
Luiz Gonzaga

Quando "oiei" a terra ardendo
Qual a fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de "prantação"
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
"Intonce" eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Hoje longe, muitas légua
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortar pro meu sertão
Quando o verde dos teus "óio"
Se "espaiar" na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu vortarei, viu
Meu coração





Esse texto foi publicado na edição 44(maio/junho de 2007), da revista bb.com.você, editada pelo Banco do Brasil. Gosto muito dele e resolvi postar aqui para outros amigos lerem. Para aqueles que o conhecem, fica a sugestão de uma releitura com outro olhar.




Outro dia me peguei pensando sobre responsabilidade socioambiental. E aí lembrei da minha infância e da casa do meu avô. Todos os anos, em dezembro, meus pais, meu irmão e eu íamos passar as férias em uma pequena cidade do interior do sertão da Paraíba, onde moravam meus avós...


No caminho, a paisagem mudava. O cheiro do mar era substituído pelo cheiro doce da cana-de-açúcar, que "dava vez" a uma vegetação retorcida e cheia de espinhos. Eu me encantava com os cactos, os mandacarus e os aveloses. Era bonito demais! E as mulheres com vestidos de chitas coloridas e rendas branquinhas de algodão. E as vacas pastando, as seriemas correndo assustadas e as asas-brancas no céu!


O carro avançava... Lá ia uma mulher carregando uma trouxa de roupa na cabeça e uma criança nos braços. Outra equilibrava, também na cabeça, uma lata d'água. Carcaça de boi rodeada de urubus. Gente seguindo um enterro. Numa rede, o morto era levado ao balanço do vento quente e ao som de uma ladainha triste. Eu ainda ouço o canto daquele povo simples indo ao cemitério e rezando para que no céu a vida continuasse.


O carro atravessava mais um mata-burro. Chagamos. Abraçava meu avô de cabelos branquinhos, vestido com camisa da mesma cor, perfumado e com calças bem engomadas. Na hora do lanche eu me empanturrava de bolo, pão, doce e manga.


Às cinco da tarde tomava banho. Era banho de bacia, com uma cuia. A água era amornada com uma chaleira quentinha. E depois eu ia jantar. Prestava atenção nas panelas de barro do fogão a lenha. Minha avó abanava as brasas e elas ficavam mais vermelhas ainda. Era a vez do inhame, da macaxeira e do chá de canela.


A casa era iluminada por lamparinas, lampiões e velas. A gente, na cozinha, lavava louça com água de bacia também. Minha tia-avó contava estórias de peruas chocas e de botijas enterradas. Eu ficava encantada e dormia sonhando com aquele ouro que bem poderia estar enterrado embaixo da minha cama.


No outro dia, acordava com o barulho das galinhas e o canto das burguesas. O papagaio pedia café. Dona Santinha já passava a roupa com o ferro em brasa, e Cinele, uma das agregadas que viviam na casa dos meus avós, subia na cisterna para tirar água.


Eram dias maravilhosos! Mas o que isso tem a ver com responsabilidade socioambiental? Tudo! Hoje, não consigo ver uma torneira pingando; escovo os dentes sem deixar água escorrendo; não demoro horas embaixo do chuveiro; acendo as luzes somente quando é necessário e apago as outras esquecidas. É pouco, eu sei. Mas eu faço.


Riacho em Barra de Sta. Rosa: o sítio do meu avô ficava aí.
Faço porque tomar banho de bacia, com água amornada de chaleira; ver gente carregando lata d'água na cabeça somente para cozinhar; ver mulheres lavando roupas em riacho; ler à luz de velas... foram coisas que me marcaram profundamente. Pois é... e mesmo assim, morro de saudade daquelas férias na casa do meu avô!


Luiz Gonzaga cantando Asa Branca: http://letras.terra.com.br/luiz-gonzaga/47081/

5 comentários:

  1. Casa de vovô é bom demais, Lane ...
    Pena que ele já não esteja por aqui. Ô velhinho sábio!

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  2. Vivi os primeiros anos da minha vida numa quinta.
    Até que, o meu pai (hoje percebo, com alguma sensatez) decidiu trazer as meninas para a cidade, segundo ele porque estávamos a ficar, umas selvagens.
    Eu que hoje só acho agradável a água pelo menos tão quente como a de boa viagem, tomava banho no tanque e andava descalça por todo o lado (bem esse hábito ainda aprecio).
    Como eu percebo essa saudável saudade Fátima.

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  3. Querida,

    Esse é um tempo que devemos guardar na memória do coração. Você soube captar bem a singeleza do texto. Beijos e obrigada pela leitura!

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  4. Querida comadre,

    Esse texto eu já conheço mas foi muito bom reler
    porque é encantador. Amanhã, penso em ir por aí entregar o presente de
    Paulinha e vê-la antes de vcs viajarem. A propósito, sobre o presente de natal que você me perguntou, seguem 3 sugestões que você pode adquirir pela inernet, por ordem de preferência (que abusada!):
    1.DVD: Gilmore Girls, 7ª temporada.
    2.Livro: 'A vida pós aniversário", de Lionel Shriver.
    3. Libro: "A trégua", de Mario Benedetti

    Não se apresse.

    Bjs, Ceci

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